
O novo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apresentado na Terceira Conferência das Nações Unidas para o Oceano, trouxe números que representam, ao mesmo tempo, um alento e um alerta para o setor pesqueiro global. Segundo a Revisão do Estado dos Recursos Pesqueiros Marinhos Mundiais, que relata a sustentabilidade biológica de 2.570 populações de peixes, 77,2% dos desembarques no mundo já são oriundos de estoques biologicamente sustentáveis.
Em uma análise por zona, o estudo indica que, na Área 31 do Atlântico Norte-Americano (México e Caribe), 78% dos desembarques são sustentáveis; na Área 77 do Pacífico Norte-Americano (México), o índice é de 81,2%; na Área 87, correspondente ao Pacífico Sul-Americano (Chile, Peru e Equador), é de 81,1%; e, na Área 41 do Atlântico Sul-Americano (Brasil, Uruguai e Argentina), de 68,4%.
Mesmo que os dados não sejam específicos sobre o Brasil, os números devem ser interpretados com cautela, como alerta o presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), Carlos Eduardo Villaça. “A pesca no Brasil, apesar de recentes avanços, não pode ser classificada como bem controlada e monitorada, este é um fato”.
Segundo ele, os bons índices da região são puxados principalmente pelos países vizinhos. “Na Argentina, a gestão é excelente e os volumes significativos de produção estão lá, portanto as ponderações da FAO estão embasadas nas maiores produções”, diz. Mas o cenário também indica avanço no Brasil. “Creio que o mais importante é que estamos passando por um processo de amadurecimento e conscientização e cada vez mais teremos dados mais sólidos”, diz.
Villaça aponta que o principal desafio está em adequar a mortalidade por pesca à capacidade dos estoques. “Isto requer, às vezes, medidas duras que cobram de atores, em todas as esferas, um olhar a médio-longo prazo e não imediatista. Este é o maior desafio, mas ele precisa ser vencido”.
O que mais diz o estudo da FAO
O estudo da FAO também revelou que 85,8% dos desembarques das dez espécies mais capturadas no mundo provêm de estoques sustentáveis. Já na América Latina, há sinais promissores como conta Villaça sobre os pequenos pelágicos do Peru, o jurel chileno, os cefalópodes do Equador e da Argentina, o camarão argentino (gambón) e os atuns do Pacífico e Atlântico.
No Brasil, por sua vez, a sardinha é a principal referência positiva. “Uma espécie com grandes flutuações naturais de biomassa, ciclo de vida rápido e grande dependência ambiental, que passou por importante reordenamento em 2021. Pegou carona em boa condição ambiental e teve uma explosão de biomassa importante”.
O estudo também chama atenção para a situação das espécies de águas profundas. Apenas 29% dos estoques desse grupo são explorados de forma sustentável e, para Villaça, trata-se de ecossistemas mais sensíveis e que requerem medidas mais criteriosas. “Temos sim alguns recursos nestes ambientes e é necessário bastante zelo e tato no desenvolvimento de pescarias nestas condições, o que não significa, no nosso entender, proibir sua exploração. O que é preciso é que seja feito dentro de margens de risco e precaução bem mais restritas”, diz.
O relatório também reforça a Transformação Azul como estratégia para garantir sistemas alimentares aquáticos resilientes. “Para os países tropicais e equatoriais do Atlântico, o grande potencial está na aquicultura e é nisto que devemos nos concentrar quando falamos em grandes aumentos de produção”, afirma. Nesta conjuntura, ele defende investimentos em pesquisa genética, nutrição, manejo e diversificação de espécies cultivadas.
Mas, apesar dos avanços pontuais indicados pela FAO, a coleta de dados segue sendo um dos principais gargalos da gestão pesqueira, especialmente na pesca artesanal e de pequena escala. Neste cenário, Villaça acredita em um modelo descentralizado, com maior participação de estados e municípios. “Defendemos a descentralização desta tarefa e do extensionismo e capacitação pesqueira, que deve ser adaptado à diversidade ambiental e cultural que nos caracterizam”, diz.
Por fim, ele ressalta a importância de criar redes de coleta técnicas e comprometidas, com sistemas interoperáveis de dados e consolidados em nível estadual e federal, entretanto o caminho exige, antes de tudo, uma mudança de mentalidade. “Entendemos que precisamos sim aderir à transformação azul, não apenas em eventos ou pronunciamentos, mas em ações transformadoras de fato, de pessoas, sejam poder público ou a sociedade civil e como elas devem encarar os recursos aquáticos”, finaliza Villaça.
Fonte: seafoodbrasil.com.br
Postado em 18-07-2025 à20 21:52:20