Liberação da pesca de tubarão-azul pelo governo recebe críticas de ambientalistas e até de técnicos do Ibama

Uma portaria dos ministérios da Pesca e do Meio Ambiente editada em meados de abril estabelecendo regras para a pesca do tubarão-azul teve sua revogação pedida por uma equipe técnica do Ibama. Em uma manifestação interna, os profissionais alegam que a medida compromete a política ambiental brasileira, enfraquece o combate à pesca predatória e contraria compromissos internacionais. Entidades ambientalistas também já vinham criticando o texto, apontando risco à população da espécie, essencial para manter o equilíbrio dos oceanos.

No último dia 22 de abril, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) publicaram a Portaria Interministerial MPA/MMA nº 30/2025, com medidas de ordenamento, monitoramento, controle e fiscalização para a pesca do tubarão-azul (Prionace glauca). Procurado, o MPA disse que tubarões já eram pescados, e o texto agora aumenta as normas de controle. Já o MMA respondeu que avalia as críticas e tomará medidas em breve.

Antes da portaria, a espécie não podia ser pescada de forma direcionada no Brasil, o que não impedia, na prática, sua captura. A legislação permite que tubarões pescados acidentalmente sejam registrados como "fauna acompanhante". Barcos pesqueiros dedicados ao atum navegam por áreas onde há muito tubarão-azul, por isso é comum essas espécies serem capturadas juntas no uso de espinhel, uma linha de 10 a 50 metros que fica por longo tempo no mar.

O tubarão-azul é abundante nos mares do Brasil, que é o maior consumidor do mundo de carne de tubarão, popularmente chamada de "cação". O cação é frequente inclusive em merendas escolares, pelo seu custo baixo. Além das 25 mil toneladas de cação importadas pelo país anualmente, há outras 20 mil capturadas no oceano brasileiro, a maioria de tubarão-azul.

Diante desse contexto, o governo brasileiro decidiu criar regras para ordenar essa pesca e reforçar a fiscalização. Mas as críticas apontam que a consequência será o incentivo à pesca predatória e o agravamento do declínio da população de tubarão-azul, pois ela agora passa a ser permitida como "espécie alvo", e não só como "captura incidental".

O tubarão-azul está na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que classifica sua tendência populacional como “em declínio” e “em grande parte esgotado” a nível global. No Brasil, estudos indicam queda de aproximadamente 10% da sua população por ano, o que resultaria em um declínio de cerca de 60% em uma década.

Assunto dividiu núcleo do governo

Internamente, a portaria dividiu diretorias do Ministério do Meio Ambiente, informaram servidores ao GLOBO. No lado crítico à medida está o Ibama. Em sua manifestação, os técnicos afirmaram que a liberação "compromete a política ambiental brasileira, enfraquece o combate à pesca predatória e contraria compromissos sanitários e internacionais assumidos pelo país, incentivando também o mercado cruel de barbatanas e o consumo de tubarão (cação)". Os técnicos concluíram que "sua revogação imediata é imprescindível para que o Brasil possa reconstruir sua credibilidade ambiental e proteger as espécies de elasmobrânquios do Atlântico Sul".

Ainda segundo esses profissionais, o texto com as regras "não apenas falha em proteger a espécie, como agrava o cenário pré-existente". A manifestação cita que serão criados "incentivos perversos" para que frotas de pesca de atum passem a focar na captura dos tubarões.

A portaria estabelece um limite de 3.481 toneladas de tubarão-azul que poderiam ser capturadas anualmente, em um limite que vai ser revisto anualmente. Mas, segundo a manifestação, esse número já é atualmente excedido em 315 toneladas com as pescas de "fauna acompanhante", considerando a média dos últimos três anos.

Outra crítica é que a liberação para pesca aconteceu antes que o Brasil concluísse os estudos para legalizar a exportação de tubarão-azul. Esses estudos são exigidos porque a espécie, por seu risco de extinção, tem uma classificação especial da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), órgão internacional que combate o tráfico internacional de animais silvestres, da qual o Brasil é signatário. Pela convenção, a espécie só poderia ser exportada após a conclusão do chamado Parecer de Extração Não Prejudicial (NDF), que traz uma avaliação sobre impacto da comercialização sobre a sobrevivência da espécie, o que ainda está sendo feito.

Jules Soto, oceanógrafo da Universidade do Vale do Itajaí-SC (Univali), diz que a portaria é mais um capítulo de "desastre" da política de conservação de tubarões no Brasil. Ele afirma não ser contra a possibilidade de pesca da espécie, considerando sua importância alimentar, mas explica que há certos territórios onde é preciso haver proibição irrestrita, para qualquer tubarão.

“A única forma de conservar é com áreas de exclusão da pesca. Não sou contra pesca, mas tem áreas onde o homem não pode chegar. O que estamos fazendo é uma bagunça. Não é sobre proibir ou permitir, mas entender que há áreas que não pode nunca pescar tubarão-azul. Enquanto ficam debatendo, a população está diminuindo”, afirma Soto, acrescentando que as áreas de exclusão foram adotadas na Austrália. “Lá melhorou absurdamente a pesca, porque os estoques e a saúde do oceano se restabeleceram. Todo mundo sai ganhando. Mas aqui querem explorar tudo, aí não dá certo”.

O oceanógrafo explica ainda que o tubarão-azul é considerado o "lobo dos oceanos", por ser um importante predador e manter o mar em equilíbrio.

“Ele tem um papel de regulador, o tubarão azul é fundamental para o equilíbrio do mar aberto”, afirma Soto, que destaca o impacto da pesca predatória. “Onde tem rede, há estresse da população. Se tubarão, tartaruga, peixe, cair na rede, gera estresse em um raio enorme, que afeta outros peixes, que ficam tensos e estressantes. Porque sabem que tem espécie agonizando, mas não veem o predador. Cria desequilíbrio em cadeia no ambiente oceânico”.

Biólogo da Universidade Federal do Ceará, Vicente Faria diz que o papel dos tubarões nos mares ajuda desde a produção de oxigênio até a regulação do clima:

“É fundamental que busquemos conservar suas populações. Diferentemente dos peixes ósseos, os tubarões, assim como as raias e as quimeras, conhecidos como peixes cartilaginosos, possuem baixa fecundidade e atingem a maturidade sexual tardiamente, o que os torna especialmente vulneráveis à pressão pesqueira”.

Recentemente, o Instituto Sea Shepherd Brasil, organização internacional de conservação marinha, publicou nota técnica contra a portaria. Além de destacar dados sobre a queda populacional da espécie, a ONG citou uma pesquisa recente da Fiocruz, que comprovou altos níveis de mercúrio, arsênio, chumbo e cádmio na carne do tubarão-azul, incluindo os encontrados no Atlântico Sul, "tornando seu consumo perigoso, especialmente para crianças e gestantes". Essa contaminação se explica porque o tubarão fica no topo da cadeia alimentar e bioacumula muitas substâncias tóxicas a partir de suas presas, ao longo da vida.

Para a ONG, que também destacou o papel ecológico essencial da espécie, "regulamentar a pesca do tubarão-azul é institucionalizar sua extinção".

Governo responde

Procurado, o Ministério da Pesca e Aquicultura informou que a pesca "já podia ser realizada no país" desde 2011, a partir da medida que permitia a captura incidental do tubarão-azul como fauna acompanhante. Por isso, segundo o ministério, "sua pesca não é uma novidade no território nacional", e a portaria de agora "foi a regulamentação de sua captura, trazendo normas mais rígidas de controle e monitoramento, bem como, um limite máximo de captura", o que fortaleceria a pesca sustentável, reforça a pasta, com regras de limite de captura, modalidades de pesca e instrumentos de monitoramento. O ministério ainda complementou que as discussões ocorreram junto ao setor pesqueiro e pesquisadores, além de seguir recomendações da Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns Atlântico (ICCAT).

O Ministério do Meio Ambiente também reforçou que a portaria é resultado de "ampla discussão", com diferentes representantes, mas que "avalia cuidadosamente" as novas manifestações, e que "em breve se pronunciará acerca das medidas a serem tomadas".

Fonte: oglobo.globo.com



Postado em 09-05-2025 à50 10:40:50

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