Tilápia puxa aumento da produção de peixes de cultivo no Brasil

No começo da década passada, trabalhando como gari em Nova Aurora, município de aproximadamente 10 mil habitantes, no oeste do Paraná, Fabiano Kochhann, de 40 anos, fazia planos para ter uma renda melhor enquanto varria as ruas da cidade, onde atuava na coleta de lixo. Depois, foi trabalhar como funcionário em uma propriedade rural e continuou a desenhar na cabeça maneiras de melhorar a vida da família.

Ele e a esposa, a professora Lúcia Becker Kochhann, administravam o apertado orçamento familiar para garantir o sustento das filhas, Rafaela, de 15 anos, e Isabela, de 9, duas meninas cheias de sonhos. Rafaela nasceu prematura, teve paralisia cerebral e ficou com sequelas motoras, que exigem fisioterapia e outros tratamentos complementares, com custos que o casal não podia bancar.

Mas, em 2013, o senhor João Kochhann, de 69 anos, pai de Fabiano, viu na área de várzea do seu sítio, onde um dia havia produzido arroz (lavoura que ele abandonou porque “o preço ficou tão ruim que não compensava”, segundo relata), a oportunidade de entrar na piscicultura. Os irmãos dele estavam indo bem com as tilápias e o incentivaram a tentar também.

O mercado estava aquecido – e continua em expansão. De 2014 a 2022, a produção de peixes de cultivo no Brasil cresceu 48,6%, de acordo com dados da Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR). Em 2022, o Brasil produziu 860,3 mil toneladas. As tilápias somaram 550 mil toneladas, ou quase 65% do total.

Há dez anos, João e Fabiano procuraram a Copacol, cooperativa que já se dedicava à criação e abate de tilápias, pedindo a oportunidade de serem cooperados e integrados da cadeia produtiva de tilápia, uma espécie de origem africana que alcançou sucesso no Brasil.

A central tinha vaga para quem topasse o detalhado trabalho que chamam de “juvenil”: a atividade inclui o recebimento dos alevinos, que pesam entre 0,2 e 0,5 grama, e a criação dos animais até eles atingirem de 30 e 70 gramas, o que demora de três a quatro meses, a depender do clima. As tilápias crescem mais lentamente no inverno.

Pai e filho aceitaram o desafio e começaram com seis tanques. Deu tão certo que os Kochhann decidiram ampliar a produção. Agora, eles estão com 12 tanques e entregam para os criadores que farão a terminação até o abate. São, ao todo, 8 milhões de exemplares por ano, número que ajuda a fazer de Nova Aurora, oficialmente, a "capital nacional da tilápia".

De acordo com a última Pesquisa da Pecuária Municipal, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Nova Aurora produziu mais de 20 mil toneladas de tilápias em 2021. Nenhum outro município brasileiro produziu tanto.

No total, o sítio tem 19 hectares. Além dos 4 hectares com os tanques, há outros 10 dedicados às lavouras de soja e milho, e o restante é reserva ambiental. “Quem tem propriedade pequena precisa diversificar. Hoje, ganhamos mais com as tilápias do que com os grãos”, comenta João.

Régis Piana, engenheiro de pesca da Copacol, explica alguns dos atrativos da espécie. “A tilápia tem excelente aceitação no mercado porque rende um bom filé, tem uma carne saborosa e porque não tem aquelas pequenas espinhas em Y”, comenta. “Por isso, em nossa região, tem sido uma alternativa excelente para pequenos produtores.”

A assistência técnica e os insumos para alimentação e sanidade são fornecidos pela cooperativa. Para o produtor, nesse sistema de integração, o custo mais alto é o da energia elétrica, necessária para o funcionamento dos aeradores. De acordo com a Copacol, o piscicultor ficará com 25% do valor final de venda dos peixes. No caso dos Kochhann, os painéis solares fotovoltaicos que eles instalaram na propriedade já suprem 80% de todo o consumo. Daí vem outra lição do senhor João: “Quem produz precisa estar atento aos custos”.

Em sua propriedade de 18 hectares, no município de Cafelândia, também no oeste paranaense, Miguel Clemente, de 59 anos, planta soja e milho em 6 hectares, tem eucaliptos em 2,4 hectares, mantém dois aviários, com 38 mil frangos de corte, e ocupa 3,2 hectares com um bonito tanque escavado, onde nadam e ganham peso, no processo chamado de terminação, mais de 112 mil tilápias.

Os peixes chegaram até ali vindos de uma das dezenas de piscicultores que cuidam dos “juvenis”. Nessa etapa, eles pesam em torno de 60 gramas, e dali seguirão para o frigorífico, quando houver a despesca, pesando mais ou menos 1 quilo. O que significa que, depois de apenas seis meses de engorda, eles vão render de 95 a 110 toneladas. O tempo é menor que a média, e o lote de Miguel mostra-se tão bom que os peixes devem ir para exportação, por meio da Copacol, da qual é cooperado.

Qual o segredo do bom resultado? “É o oxigênio”, comenta ele, entre sorrisos. “Todos os dias eu faço a medição no tanque. Verifico também o pH da água, a quantidade de amônia, de nitrito e a temperatura. São fatores importantes para que os peixes se alimentem bem e cresçam. Se algo não vai bem, podemos corrigir imediata mente. Não deixo passar um dia”, detalha o produtor, que conta com 16 aeradores em seu tanque.

Antes de começar com a piscicultura, há cinco anos, Miguel complementava a renda de agricultor e avicultor trabalhando como construtor de aviários. Agora, ocupa todo o tempo no sítio. Ele conta que, quando entrou na atividade, financiando em dez anos os custos, não imaginava que produziria tilápias nessa quantidade. "Estamos aprendendo e melhorando a cada dia. E hoje é o que nos garante maior rentabilidade. Financiei os investimentos em dez anos. Fiquei com medo de não dar conta, mas hoje pago as parcelas sorrindo”, afirma Miguel.

Para a implantação do sistema de produção de tilápias em tanque escavado nos padrões exigidos pela cooperativa, o investimento inicial médio é de R$ 45 por metro quadrado. O gasto inclui terraplenagem, construção civil, parte elétrica, gerador de energia e aeradores.

Além da assistência técnica e de fornecer os peixes juvenis e os insumos, a Copacol é responsável pela despesca e pela logística até os frigoríficos, onde os animais chegam vivos, em caminhões-tanque. Em duas plantas, localizadas nos municípios de Nova Aurora e Toledo, são abatidas 185 mil tilápias por dia, que totalizam 51,6 milhões de cabeças por ano e rendem 16.900 toneladas de carne.

Desse volume, 2.300 toneladas de peixes e derivados são exportados para países como China, Japão, Estados Unidos, Paraguai, Iraque, Canadá, Líbia e Tailândia. A piscicultura movimenta R$ 500 milhões por ano na cooperativa. A Copacol não informa os valores fixos pagos aos 287 produtores cooperados.

O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) acompanha, desde agosto de 2021, os preços pagos aos produtores de tilápias em quatro praças do Brasil: oeste do Paraná, norte do Paraná, Morada Nova de Minas (MG) e “Grandes Lagos”, que corresponde ao noroeste de São Paulo, na divisa com Mato Grosso do Sul. No oeste do Paraná, o preço pago ao produtor, que era de R$ 7,06 por quilo em abril de 2022, passou a R$ 9,22,no início de abril deste ano, segundo a economista Juliana Ferraz e o gestor ambiental Matheus Liasch, analistas do projeto de tilápia do Cepea.

Um presente para a piscicultura

Em laboratórios instalados no distrito de Floriano, que pertence ao município de Maringá, no norte do Paraná, uma equipe de pesquisadores trabalha para levar aos piscicultores brasileiros o melhor da genética da tilápia Gift, a variedade que ganha peso mais rapidamente em cativeiro. Gift significa presente em inglês, mas é também a sigla para genetically improved farmed tilapia, ou tilápia cultivada geneticamente melhorada, em uma tradução livre para o português.

O desenvolvimento da variedade foi realizado pela WorldFish, instituição internacional, sem fins lucrativos, que tem sede na Malásia. Em 2005, a Universidade Estadual de Maringá (UEM) foi a pioneira na importação para a América Latina de 600 tilápias da variedade Gift, de 30 famílias diferentes, que foram alojadas na Estação Experimental de Piscicultura, em Floriano.

Professor do curso de zootecnia da UEM, Ricardo Ribeiro participou daquele momento, que é considerado histórico para a piscicultura de cultivo no Brasil. Ele conta que os trabalhos científicos publicados pelos pesquisadores da universidade paranaense chamaram a atenção do uruguaio Raul Ponzoni, que era o responsável, na época, pelo programa de melhoramento da Gift no WorldFish.

As tilápias “brasileiras” estão em sua 14ª geração. Os animais produzidos são catalogados e identificados com microchips, o que gerou um grande banco de dados. “Acompanhar algumas horas do trabalho dos professores, profissionais e pesquisadores que atuam no laboratório é uma aula de ciência."

Ribeiro explica que a tilápia tem origem africana e, para a reprodução, o macho faz um ninho, parecido com uma panela, no fundo do tanque, onde a fêmea põe as ovas para serem fertilizadas pelo macho. Depois disso, ela guardará as ovas na boca até o nascimento das larvas, o que pode demorar, na natureza, cerca de sete dias. Os pesquisadores coletam as ovas, diretamente das bocas das fêmeas, e as depositam em recipiente apropriado no ambiente controlado do laboratório. Ali, as larvas eclodirão e, depois de três a quatro dias, vão se tornar alevinos.

Quando atingem 5 gramas, o peso ideal para receber o microchip, que é implantado seguindo todas as regras para o bem-estar do animal, inclusive com sedação, os peixes vão para tanques-rede no Ribeirão do Corvo, já em área da Represa de Rosana, na divisa do Paraná com São Paulo.

Nesse ambiente, os peixes crescerão. Os machos e fêmeas de melhor desempenho serão selecionados e vendidos a preços simbólicos a produtores de alevinos. Além disso, o conhecimento é difundido a estudantes de graduação e pós-graduação, que aplicarão o que aprendem no Brasil e em outros países.

É o caso da moçambicana Nareta Varede Figueiredo. Engenheira de aquicultura, ela é mestranda em melhoramento genético de tilápias e está no Brasil desde março de 2022, com uma bolsa de estudos de um centro de pesquisa do país africano.

Fonte: globorural.globo.com


Postado em 25-05-2023 à05 21:28:05

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